domingo, 11 de março de 2012

Cantigas da Rua... com broas de batata

Voltar a casa ao fim de tanto tempo longe tem sempre qualquer coisa de diferente. Desta vez foram as broas, bem regadinhas com a luz criadora do sol que também quis aparecer para ajudar a aquecer o dia. Na Rua das Parreiras as janelas do rés-do-chão ainda estão abertas a quem passa. As janelas e as portas, que os vizinhos são família e quando é preciso entram casa a dentro para dar ou pedir qualquer coisa ou simplesmente porque apetece dar dois reis de conversa.

E foi na Rua das Parreiras, na casa da D. Olívia, que nos juntámos para fazer as benditas broas de batata. Feitas à moda antiga, por uma receita escrita à mão e habilmente passada a limpo numa máquina de escrever sobre um papel que hoje é amarelo de tanto tempo que tem de vida, numa grande gamela segura por alguém. Sim, que as mãos de quem amassa só se podem ocupar com essa tarefa hercúlea de misturar os ingredientes e imprimir à massa aquela vontade de crescer, sem grumos da batata ou da farinha, e com as passas bem espalhadinhas, não vá alguém ficar com uma broa sem o devido recheio.


E no fim ainda há a parte principal, que é benzer as broas com a tesoura. Não vá o diabo tecê-las e em vez de broas saem-nos do forno pães ázimos, qual última ceia (que por acaso cá em Montemor quando é celebrada nos permite sempre comer os melhores folares do ano!).

Cantou-se, dançou-se, e encheu-se a Rua com o cheirinho das broas acabadinhas de sair do forno com o espanto de quem estava face ao tamanho com que as ditas iam saindo. Sim, que os ovos eram caseiros e toda a gente sabe que assim a massa cresce muito mais...
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 O Bruno preparava o almoço, a Mariana animava as hostes e ocupava-se da construção do site do Grupo, e eu resumia-me à insignificante tarefa de segurar a gamela à mestre broeira que já fazia destas delícias ainda antes de eu me conhecer como gente. A D. Adelaide com a sua presença simples e delicada era a nossa voz de consciência, e a vizinha que passa para o que der e vier. Seja como for, o Fado da Sina saía pela janela, a Milú, o Tony de Matos e a grande Hermínia Silva também fizeram soar as suas vozes nesta tarde soalheira. Já diz a canção: "Cantiga da Rua, que sobe e flutua e não se detém.... vai de boca em boca, não é de ninguém".

Realmente não há outra rua em Montemor como a das Parreiras. Os habitantes na sua maioria ali foram nascidos e criados, e aquelas vielas já viram correr muitas gerações de pés, e muitos jogos de escondidas que só acabavam com a avó que gritava "Ó Riiiiiiiiita, anda tomar banho que não tarda o jantar está pronto".

Dali as broas seguiram para a Torre, que é dia de procissão e o povo gosta de ter com que confortar o estômago no fim da caminhada.
Soube bem. Mais que as broas (que ficaram deliciosas), o processo.


3 comentários:

  1. Bonita crónica Rita, tão bem escrita que me senti lá!

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  2. António Louro Alves12 de março de 2012 às 11:02

    Ó Rita: que excelente aspeto! E que cheirinho!

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  3. Muito obrigado :) Realmente estavam deliciosas, mas melhor mesmo foi a atmosfera que envolveu todo o processo. Afinal de contas, "there's no place like home".

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